#06 o que eu e a ashaley tisdale temos em comum
sobre livros-efeite, hábito de leitura e hipocrisia
Boa parte dos meus livros eu adquiri na adolescência. No meu aniversário de 15 anos, deixei minha lista de presentes numa livraria e ganhei a maior parte dos títulos, desde John Green até Suzanne Collins (veja bem, eu não era nenhum jovem prodígio, eu só era uma pessoa que gostava muito de ler romances e fantasia como a maioria dos meus colegas). Acontece que alguns desses livros eu fui postergando a leitura até o momento que eu perdi a empolgação ou já não tinha mais idade para ser o público alvo daquela história. E esses livros intocados foram se acumulando na minha estante, enquanto eu adicionava outros mais novos e mais interessantes para mim. Esse fato me ocorreu quando li a notícia de que a Ashley Tisdale, nossa eterna Sharpay Evans, comprou quatrocentos livros avulsos para preencher as lacunas nas prateleiras da sua mansão. Pareceu estranho em um primeiro momento, mas eu ri, em seguida, da minha própria hipocrisia, por julgar uma pessoa que também guarda livros-enfeite em casa.
É que gente rica tem essa mania de aparentar intelectualidade, desde as estantes abarrotadas que eles colocam no fundo de uma videoconferência, até situações como a da Gabriela Prioli, que precisou dar uma carteirada acadêmica para justificar sua ida ao camarote da Sapucaí (risos). Porém esses comportamentos sempre revelam boas doses de hipocrisia. Eu e Ashley Tisdale nunca lemos (e nem vamos ler, provavelmente) todos os livros das nossas estantes, intelectualidade não tem necessariamente a ver com conhecimento acadêmico e muita gente que lê bastante continua idiota. Nesses casos, os livros e a leitura se tornam decoração mesmo, do tipo que beira a cafonice.
No momento eu estou bem longe de soar ou realmente ser o que chamam por aí de intelectual1. Eu só leio mais do que 280 caracteres se for uma thread no Twitter muito interessante. Comprei Morro dos Ventos Uivantes em uma feirinha no shopping porque é o livro favorito da Bella Swan, e eu sou uma fã de Crepúsculo muito dedicada. No entanto, não consigo passar de ¼ da história porque acho tudo massante e os personagens me aborrecem. Tentei mudar o foco para as leituras da universidade, das quais eu não poderia fugir, mas ainda sim tenho escapado. Leio três páginas e dou um cochilo de vinte minutos. Tempos atrás eu estaria me sentindo ansiosa sobre esse hiatus dos livros, porém hoje consigo enxergar que ler por diversão não é uma atividade obrigatória e eu não estou ficando menos inteligente só porque tenho decidido investir meu tempo em outros hobbies.
Toda semana eu indico praticamente os mesmos autores em alguma altura da newsletter, mas em minha defesa afirmo não ser culpada por eles continuem publicando conteúdos relevantes. Dessa vez, a última edição da newsletter Queria Ser Grande, Mas Desisti combinou bastante com o meu tema da semana, em especial o trecho que vou anexar a seguir. Fala sobre a maneira ligeira e superficial como a leitura tem sido tem sido tratada na internet, de forma a sugerir muitas vezes que a quantidade de obras que você marcou como lidas em um ano é mais importante do que o conteúdo absorvido. Não é de se admirar que o capitalismo estimule esse tipo de comportamento, afinal, a corrida pelo consumo é um dos princípios mais básicos do seu funcionamento. É como diz aquele ditado: me decepciona, mas não me surpreende.
“O meu medo é contribuir para o consumo do livro como mais um produto descartável. Contribuir para leituras rasteiras, para dizer “eu também li, também estou por dentro do hype”. E o lobby é forte. O mercado sabe bem como trabalhar o desejo. E muitos de nós abraçamos tais táticas quase sem perceber. O irônico é que, acima do capital social, a leitura é um bem do qual só nós podemos verdadeiramente dispor, o impacto é único, pessoal. Dispara vínculos difíceis de replicar”.
Esse texto, por sua vez, foi inspirado em outro artigo sobre o mesmo tema. Twitter asks: Are books just an aesthetic? fala sobre uma crescente cultura de ter livros e parecer leitor, mas sem necessariamente ler. O único ponto que discordo é que esse fenômeno é recente, porque as pessoas tem agido assim há muito tempo, tendo sido eu mesma ludibriada por esse apelo estético e passado anos me sentindo culpada por não conseguir pular rápido o bastante de uma leitura para a próxima. Como disse anteriormente, eu já me cobrei muito por ler em quantidade, sem pensar sobre a qualidade da experiência. Também já me forcei a ler clássicos ou livros da moda, só porque queria parecer mais inteligente. Dá vergonha admtir, mas é verdade. Agora eu assumo que meu ritmo é lento e achei Dom Casmurro, por exemplo, muito chato.
“Graças a Fox e Tisdale, a internet agora é um viveiro daqueles que confessam sentimentos semelhantes em relação aos livros, antes feitos apenas para leitura, mas agora considerados como uma pintura na parede ou um conjunto de velas digno do Instagram. Depois de uma análise profunda e leitura de perto no Twitter, a conclusão parece ser que as duas celebridades (quer estejam lendo livros ou não) realmente representam um grupo demográfico crescente, aqueles que gostam da ideia de ler e da estética dos livros. Mas o ato de ler em si, talvez nem tanto”. (traduzido)
Brinquei que eu e Ashley temos o hábito de manter livros-enfeite em comum, mas é claro que estou fazendo um paralelo exagerado. Meus títulos abandonados são poucos (afinal, nada é mais frustante que pagar por algo e não aproveitar) e eu ainda não passei para frente por puro materialismo. Tenho o pressentimento de que talvez em alguns anos bibliotecas físicas ficarão restritas a casas de milionários presunsoços ou instituições de ensino, porque tem ficado muito fácil ler digitalmente (ainda bem). Ainda assim, mesmo com a minha pasta no computador cheia de PDF’s de origem questionável, e mesmo que as livrarias estejam ficando cada vez mais caras, tem algo sobre comprar um exemplar físico da história que você gosta que transmite uma sensação quase mágica. Por isso, talvez, estantes de livros não sumam completamente no futuro. Elas ainda serão necessárias nos feeds de Instagram, mas também podem continuar sendo um espaço de reunião de boas memórias.
Em suma, não deveria ser extraordiário parecer um leitor ávido. Mas seria muito legal se mais pessoas descobrissem como a leitura pode ser uma aventura extraordinária.
A newsletter desta semana deveria ter saído no último domingo, mas eu estava doente e com a cabeça cheia demais (de secreção) para pensar. Espero não ter decepcionado a minha legião de fãs (risos).
Prolongando o seu passeio pelas estrelas:
Até a próxima viagem intergalática!
Estou publicando essa newsletter com uma semana de atraso, então essa parte já não é mais verdade. Tenho lido um bocado por causa da universidade, e venho escrevendo muito também nos últimos dias. Admito que é um ato de coragem manter um compromisso semanal com a escrita enquanto tenho todo um trabalho de conclusão de curso para escrever rs
Adorei te ler 🖤 Essa coisa da leitura como competição e consumo tem angustiado muita gente, né? Mas é isso... o capitalismo engole tudo. Pra escapar, é preciso MUITA força - se é que é possível