Para ler sem urgência.
Fiz um teste de internet e, como vocês sabem, testes de internet são soberanos sobre os nossos destinos e personalidades. Assim eu descobri que corecore é aesthetic que combina com meu signo - algo meio underground, meio revolucionário, que é como costumam descrever aquarianos, embora eu me ache apenas uma pessoa básica que por acaso nasceu em fevereiro. Joguei o termo no Pinterest para descobrir do que se tratava. Eu já era familiarizada com outras cores, mas essa em questão era novidade para mim. Encontrei referências com filtro verde, estética anos 1990, escritório, transporte público, solidão e anoitece. Como pegar um ônibus no final do dia depois de um dia bem cansativo de trabalho, só que de um modo romântico e melancólico, do jeito que o #jovem gosta.
OBS 01: com 24 anos já tenho idade pra me referir aos #jovens como outra categoria? Aqui deixo claro que estou falando dos jovens jovens, não o joooovem.
OBS 02: deixo também minha nota de repoodle ao fato de que os tweets não aparecem mais como links automáticos aqui no substrackt. printar a tela não dá o mesmo efeito.
Logo depois da minha pequena pesquisa, a própria @brownebrownie trouxe respostas para a minha questão, explicando que corecore é uma tendência estética como outras (por exemplo, o cottagecore, que tem referências campestres) na qual as pessoas se identificam com determinado estilo de vida, de roupa, de decoração, etc. O inusitado aqui é a união do sufixo -core, normalmente usado para nomear essas tendências, com o prefixo -core, o que gera uma certa ironia. É uma crítica social foda, sabe? Reclamar do capitalismo, usar trechos de filmes reflitão, questionar o avanço da tecnologia (mas postando isso nas redes sociais). No fim, Clara chega a conclusão (sob o efeito de zolpidem, o que faz qualquer chegar a MUITAS conclusões) de que o corecore é:
“nada mais é do que um trabalho de alguma matéria de humanas do ensino médio. mas em vez das crianças entregarem pra professores cansados de 30 anos, elas postam no tiktok pra receber um bando de comentário dizendo: “real”” intern3t!!!11.
É realmente uma tentativa bem adolescente de discutir uma série de questões da atualidade, sobretudo na era do neoliberalismo, mas eu achei bem legal saber que existe adolescente interessado nisso. De maneira simplista, se pararmos para pensar, dá para dizer que existe muita gente sendo meio corecore desde os anos 1960.
Uma bocado de problemas associados a minha geração, os gen z, na verdade têm sido questões há bastante tempo. Por exemplo, há alguns dias viralizou na rede social mais que mental uma matéria do New York Post com opiniões críticas de algumas especialistas sobre a tendência dos jovens adultos de estarem cada vez mais em casa. Na verdade, a matéria é uma ode ao trabalho presencial e quase uma nota de repúdio ao home office, mas no Twitter se tornou uma discussão mais ampla sobre a desesperança da nossa geração no futuro. Muitos de nós não acreditam mais no trabalho duro, na meritocria, que “as coisas vão melhorar” porque vemos as gerações anteriores fracassarem nessas ideias e adoecerem em busca de tais ideais. Só que esse sentimento não é novo.
É caótico viver o capitalismo tardio. E tem sido esse caos há bastante tempo, visto que em meados do século passado já tínhamos artistas manifestando aflições estranhamente familiares com as que ainda nos atingem hoje, mais de cinquenta anos depois. Nessa época, ascendeu um movimento artístico e cultural que veio a ser conhecido como pós-modernismo, que em resumo seria um contraponto ao Modernismo, mas na prática representa uma série de críticas à modernidade, ao neoliberalismo, à ideia de progresso e às estruturas dominantes de poder.
Dentre as características comuns dentro das manifestações culturais do pós-modernismo, estão a sensação de incerteza sobre as visões de mundo e a desconfiança em relação as instituições tradicionais da sociedade, à mídia e a tecnologia, sob a suspeita de que são instrumentos passíveis de serem utilizados para manipulação e controle.
O arquiteto e professor Guilherme Wisnik (dentre outros estudiosos) chama esse sentimento de que tudo seja uma grande conspiração da ilusão, como se a gente vivesse a vida do Truman, em um mundo artificial servindo um enredo pré-determinado aos espectadores, de paranóia pós-modernista. Na sua palestra sobre o tema, Wisnik argumenta que esse fenômeno seria um produto da perda do fundamento ou essência das coisas, e da crença de que o mundo ainda pode ser transformado, de que existe alguma esperança.
Dá para entender perfeitamente porque as pessoas no pós-segunda guerra e industrialização se sentiam assim. Mas também faz sentido para nós agora, em um contexto profundamente marcado pelo universo virtual, pós pandemia mundial, com o meio-ambiente em colpaso e em um ciclo de crises políticas, econômicas e sociais. Eu diria que é mais que uma paranóia, mas um despertar e uma cólera coletiva que vem nos assolando com cada vez mais intensidade.
E nós seguimos falhando em escapar desse espiral de desgraça, principalmente porque tudo tem se tornado ainda menos paupável. Talvez já esteja meio fora de moda falar de metaverso, e por enquanto realidade aumentada pode não parecer algo vá se difundir entre todos nós, mas algo me diz que já estamos bem avançados nesse processo. Não só porque já tem um bocado de marcas lançando versões de produtos que só existem online, mas também porque as vidas de muitos de nós depende do acesso a internet (trabalho, lazer, socialização), em especial após a pandemia. Além disso, cresce o uso de ferramentas de inteligência artifical e a integração de aparelhos eletrônico com o nosso cotidiano, aumentando também a necessidade de discutirmos os dilemas éticos e os impactos desses fenômenos na humanidade. E ainda há toda uma problemática relacionada a redes sociais, um tópico tão extenso que eu sequer vou iniciar.
Mas, calma, eu não tenho a paranóia de que a tecologia vai se voltar contra nós, nem que deveríamos parar de buscar avanços (apesar de eu sempre dizer olá para o Chat GPT apenas por precaução). Porém, é evidente que tais mudanças têm o poder de alterar aspectos relevantes da experiência humana (e do planeta como um todo, afinal a ideia atual de progresso é insustentável). Ou a gente fica esperto, questionando e usando as ferramentas ao nosso favor, ou permite ser engolido. Sem querer soar muito corecore, ou querendo mesmo, mas nós precisamos enfrentar essa perspectiva, ir a luta. Ou vamos acabar como um bando de alienados comprando (com dinheiro de verdade) terreno que não existe em vizinhança digital enquanto tem gente sem casa no mundo real, por exemplo. E para isso, ainda é preciso cultivar um pouquinho de esperança.
No fim das contas essa newsletter também meio que virou um trabalho de matéria de humanas do ensino médio. Talvez alguém escreva “real” nos comentários.
Prolongando essa viagem interestelar.
Nesse clima de paranóia, capitalismo e previsões de um futuro meio distópico, Carla Soares revela Qual o segredo de Soylent Green?
Já comeu Chocolate Belga? Mateus Habib conta um pouco da história desse doce famoso, que é mais uma manobra da megaindústria alimentícia e eurocentrismo do que qualquer outra coisa. Afinal, o cacau é um fruto típico da Amazônia, e eram os astecas que consumiam “xocoalt" enquanto os europeus saqueavam procuravam especiarias pelo globo.
Em um debate com perspectivas diferentes, será que dá para dizer que .ambos estão certos e errados sem invalidá-los?
Até a próxima aventura intergaláctica!
KKKKKKKKKKKKKKKKK REAL (na verdade nao eh real, sao apenas sinais binarios que formam uma sequencias de letrinhas numa tela que digitei durante o trabalho)