#15 a lista de dicas de não-produtividade
sobre a gente sempre ter que ser nossa melhor versão. tem mesmo?
Para ler sem urgências.
Eu estou sempre cansada.
Ontem mostrei uma das minhas planilhas para um amigo próximo. Ele riu e soltou "você nunca descansou na vida, né?". Foi uma piada despretensiosa que me atravessou muito mais do que ele poderia imaginar. Eu não descanso mesmo, ao mesmo tempo em que tenho a constante impressão de que estou relaxando até demais. Parte disso, eu devo dizer, nasceu de questões familiares (não vou elaborar), e outra parte é um sintoma de ser uma ansiosa-diagnosticada-e-em-tratamento-há-seis-anos. Não estou certa se eu deveria sentir tudo isso antes dos vinte e cinco anos. Eu não deveria estar indo a bares e a festas e vivendo como se fosse imortal? Talvez essa seja mais uma cobrança.
A verdade é que é difícil descansar no Brasil, em 2022, em uma sociedade capitalista. Não nas últimas semanas em que estive ocupada com TFG (como chamamos TCC nos cursos de arquitetura), final do penúltimo semestre da graduação, estágio todas as manhãs e, quando sobrava tempo, minha vida pessoal. Meu bem-estar sempre fica por último porque não é produtivo, economicamente falando. Passar uma hora por dia na academia é perda de tempo, mas seis horas de estágio é um investimento porque estou trabalhando. Meus hobbies de escrever e pintar podem ficar para depois, porque aquele freela é imperdível e eu vou ganhar mais cem reais no final do mês (posso comprar meia sacolinha no mercado). Até lavar o cabelo fica de lado às vezes, quando fico tão imersa em terminar um projeto que meus fios secos até acumulam alguma oleosidade - não me orgulho disso.
“sei bem o quanto o capitalismo tornou natural em várias esferas da nossa vida a busca por mais. dificilmente fomos educados a ser menos e a querer menos. isso até bugaria o cérebro de bairros inteiros aqui em sp. querer ir mais longe, conseguir mais coisas, ganhar mais dinheiro, construir mais prédio, lançar mais redes sociais, viajar mais, fazer mais, tudo parece vir sempre na intenção de superação, de acúmulo, de expansão” flows magazine.
Eu sei bem que preciso descansar, porque em várias ocasiões já me ocorreu do meu corpo forçar um descanso na hora mais inadequada possível por eu não ter planejado uma pausa antes. Porém algo em mim sempre me desperta culpa ao “fazer menos”. Seja a pressão social em cima da produtividade, seja a pressão que eu mesma crio em cima de mim por comparação. Penso “como fulano trabalha, estuda, namora, tem vida social, malha e eu não consigo nem manter uma rotina de skincare direito?”. Eventualmente, descobri que muitas dessas pessoas só fazem tudo mal feito mesmo, ou jogam as responsabilidades nas costas dos outros. Algumas de fato “dão conta de tudo” e continuam sendo um mistério. De alguma forma, acredito na ilusão de que vou descobrir essa fórmula mágica, mas acabo sendo como o primeiro grupo.
Na verdade, ao mesmo tempo em que eu sinto desejo de ter uma carreira de sucesso e ganhar muito dinheiro, meu grande sonho é viver uma vida pacata. Trabalhando só o necessário (jornada de 30h semanais deveria ser obrigatório), ganhando o suficiente para ter conforto sem luxo e aproveitando mais momentos com as pessoas que eu gosto. Infelizmente, na nossa sociedade, esses parecem ser interesses conflitantes. Além disso, desejar fazer menos para viver mais é bastante mal visto. Nunca vou esquecer da sabedoria de um amigo meu ao dizer que não queria ser rico, porque “para ser rico precisa trabalhar muito e eu sou preguiçoso”. Acho que ele tá super certo, sabe? Mas conheço muita gente que entortaria o nariz para esse pensamento.
“o melhor jeito de se livrar do trabalho é trabalhando, um método que pouco me agrada porque implica na possibilidade de ter que trabalhar. O problema é que sou a pessoa mais preguiçosa que conheço. Sou mais do que preguiçoso: sou apaixonado pela preguiça. Tenho tanta preguiça que chega a ser exaustivo. O que, por motivos óbvios, tornou meus últimos meses insuportáveis” cafuné sabor lepra.
Eu estou cansada. Cansada de me esforçar para ser perfeita e produtiva, de ouvir dicas de como aumentar minha produtividade, de ver pessoas substituindo sua vida pessoal pelo trabalho, de me sentir pressionada a ser mais minha profissão e menos eu. Estou cansada de esquecer meus hobbies e minha saúde porque preciso ganhar dinheiro ou obter a admiração alheia. Se você também está cansado (e adora aquelas listinhas de como ter uma rotina perfeita que rolam no Instagram!), deixo aqui minha contribuição com uma lista de não-produtividade, que eu estou precisando seguir também. Quem sabe juntos a gente consegue bater a meta e conseguir algum resultado? rs.
Não faça listas. Fazer listas implica criar metas e organização. Sua única meta deve ser se entregar ao fluxo natural do universo e ao completo caos que o acompanha;
Entendam que não existe uma rotina perfeita;
Não se compare com os outros, jamais;
Não torne seus hobbies um trabalho. Como diz o ditado, “trabalhe com aquilo que ama e nunca mais amará nada na vida”;
Por último, o mais importante: responda aos chamados do seu corpo. Quer dormir? Dorme. Quer comer? Come. Quer descansar a cabeça? Descansa. Sua produtividade não supera sua saúde, você não é mais forte que a natureza. Obedeça seu corpo ou ele vai ter forçar das piores maneiras.
(obs por favor faça o recorte de que estou fazendo esse desabafo em um lugar de privilégio e que eu reconheço isso. eu sei que tem gente por aí se matando de trabalhar porque mal consegue colocar uma migalha de pão na mesa, enquanto eu tenho casa comida e etc. a real é que todos deveriam precisar trabalhar menos e receber o suficiente para manter uma vida digna. ou a gente acaba com o capitalismo ou ele acaba com a gente, pas)
Prolongando essa viagem interestelar:
Além dos quotes que linkei ao longo do texto, tenho mais algumas recomendações essa semana (diferente da semana passada, que eu não estava muito bem):
Ainda no tema, esse texto saiu Em Defesa da Lentidão e fala sobre como viver mais devagar é autocuidado e questão de definir prioridades, essa newsletter sobre Ter Uma Carreira traz alguns pontos que precisamos priorizar nas nossas vidas além do trabalho, e essa última sobre A Insustentável Leveza do Ser critica aquele papo de “missão”.
“é óbvio que eu não pretendo trazer uma resposta definitiva pra essas questões, mas uma coisa tem ficado cada vez mais certa para mim. meu trabalho, ou as profissões que vou exercendo, não são e não serão minha missão ao longo da minha existência no planeta Terra. mesmo eu conseguindo trabalhar com algo que eu gosto, com temas que eu sinto que tem relevância social, que trazem algum impacto positivo” tem alguém aí?
Geralmente indico a news Queria Ser Grande, Mas Desisti com links bem reflexivos, mas dessa vez quero indica também a Dia Sim, Dia Não que faz uma curadoria com conteúdos no geral mais leves e rápidos, como algum tweet engraçado.
Não se preocupe em ler todos esses textos, apesar de eu recomendar que o faça, se tiver condições. Faça o que der vontade e sem urgências.
Até a próxima aventura intergaláctica!