#08 às vezes vai ser incrível, às vezes é só rotina
ter constância é igual a andar de bicicleta, na primeira ladeira é horrível, mas depois de alguns quilômetros parece que sempre foi fácil
Para ler sem urgências.
Passei a semana adiando o momento de escrever esta edição, provavelmente esperando alguma ideia incrível surgir de repente nos meus pensamentos. Hoje é domingo e eu gastei boas horas do dia em atividades produtivas, enquanto ocupava o meu tempo para não encarar a página em branco no editor de texto. É engraçado como a autossabotagem começa antes mesmo de a gente fazer qualquer ação. Antes de dar o primeiro passo, às vezes já desistimos por achar que não vamos andar para um lugar bom o suficiente. Em outras situações, a renúncia ocorre no meio do caminho, pois a insatisfação com o percurso nos impede de descobrir como será o final. É necessário reconhecer quando vale a pena mudar a rota, porém, na maior parte dos casos, o trajeto só faz sentido quando terminado.
“essa newsletter tinha tudo para dar errado. não danço, não sou famosa, aqui não tem timeline nem regras de engajamento. tinha tudo para dar errado por ser uma newsletter mesmo, com textos. textos longos em um mundo onde ‘ninguém vai ler’” Flows Magazine
Essa newsletter tinha tudo para dar errado. De certa forma, acho que deu certo (dentro do meu mundinho de escritora autônoma, desconhecida e iniciante). Fiquei muito insegura com essa história de “ninguém lê” a princípio. Ainda sou a otimista que acompanha blogs antigos e compra zines de artistas locais, mas a maioria das pessoas que eu conheço prefere outros formatos de entretenimento, ao passo que eu quero escrever textões. Além disso, refleti bastante sobre se tenho uma vida relevante o suficiente para produzir tanto conteúdo quanto o mundo hoje parece exigir. É quase como se eu não tivesse o direito de escrever semanalmente para os outros os meus pensamentos porque tenho medo de fazê-los perder tempo com um amontoado de ideias irrelevantes. Por que alguém comum teria o direito de escrever e ser lido?
“quem ganha a vida com isso não pode depender de um dia ensolarado ou da possibilidade de um sonho maravilhoso na noite anterior. o mundo furioso lá fora e é preciso se concentrar pra produzir (isso a faculdade não ensinou). enfrentar a página em branco é básico, não uma superação. é técnica e necessidade (financeira, espiritual, psicológica etc)” Flows Magazine
Ainda assim, persisti, e acabei descobrindo que o mais difícil é continuar. Não ganho a vida escrevendo (infelizmente), mas eu trabalho com criatividade em outra área e sei bem como é forçar as ideias porque o mundo não vai esperar minha inspiração. Escrever não me sustenta financeiramente, porém sustenta minha fé em mim mesma, meu lugar no mundo, até um pouco da minha sanidade. É que às vezes parece ser mais um problema que uma solução, e eu sei que a culpa é minha, porque me cobro demais e acho que preciso pôr algo genial no papel toda vez que mexo com as palavras. Sei que devo colocar em mente que alguns textos vão ser incríveis, outros vão ser só rotina - e isso não precisa ser ruim.
“dizer que as rotinas me salvam pode parecer um exagero e até redundante pra quem acompanha esse blog há mais tempo. você, diamante raro que tá aqui comigo desde que isso tudo é mato, sabe o quanto manter uma rotina foi importante enquanto eu passava por uma depressão pesada” Desancorando
Nesses momentos de autossabotagem e bloqueio criativo, lembro qual era meu propósito original com a newsletter: manter uma rotina de escrita e me tornar melhor no que faço. Quanto mais estudo sobre processos criativos, mais eu entendo que não se trata de inspiração, mas de trabalho duro e, acima de tudo, constância. Nesse texto da Startup da Real o autor discorre sobre como o sucesso tem a ver não com ser o melhor todas as vezes, mas em sobreviver tempo suficiente para ser notado.
“90% de tudo é se fazer presente”. É como ir para academia quando se está cansado, mas insistir para não perder o ritmo e se sentir bem depois; ou quando precisamos aprimorar uma habilidade, o que é desanimador no começo, porém se torna empolgante com a prática e o reconhecimento da evolução algumas semanas após. Assim, eu entendo que alguns dos meus textos vão ser só rotina e acolho o sentimento, porque eu posso não ser incrível sempre, mas estou alimentando o processo de me tornar minha melhor versão.
Nos momentos de desajuste mental, mercúrio retrógrado ou qualquer outro motivo que me faça achar escrever uma tortura, volto para o meu banco de ideias e procuro o tema que mais conversa comigo naquela ocasião. Alguns dias, nada faz sentido e eu só quero vir aqui reclamar das minhas frustrações. Em outros momentos, eu abro o editor de textos com a mente fervilhando, coloco as palavras no “papel” e me surpreendo com o resultado. No final, não são os raros fragmentos de genialidade, mas a constância e a rotina é que me fazem ter coragem de continuar.
Prolongando essa viagem interestelar, adoro quase todos os textos da Aline Valek, mas esse “Menos espaço para a espera” me pegou, porque fala sobre uma comunicação mais lenta e tempos mais simples, embora também seja sobre uma nostalgia do não-vivido, porque os personagens falam de um tempo em que eu era pequena demais para entender o mundo ao redor. Também me fez lembrar de que eu já fui alguém que mandava cartas e e-mails, mesmo sendo meios ultrapassados, só pelo prazer do processo. Acho que eu deveria retomar o hábito.
“Um dia, você terá morrido ontem” foi outro texto que me marcou, porque o tema da morte ainda me atravessa de um jeito estranho. Um dia eu vou morrer. E um dia as pessoas sequer vão lembrar disso. É aterrorizante e engraçado de se pensar.
Abra a tirinha no twitter para ver melhor. Acho que vale a pena.
Por fim, reitero o quanto o texto “o mais difícil é continuar” é importante. Acho que todo mundo deveria ler, independente de trabalhar com criatividade ou não. A leitura é fácil, dinâmica e eu garanto que vai ser o melhor conselho que você terá hoje.
Até a próxima viagem intergaláctica!
O retorno da sessão “prolongando a viagem” essa semana é um presente para Luís, que me disse gostar de indicações. A existência da edição dessa semana é um oferecimento de Luan e Luma, que são ótimos revisores voluntários e sempre me indicam bons caminhos com muito carinho e honestidade. Esse texto começou bem diferente, mas ganhou os contornos que eu gostaria graças a vocês.